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O que a pecuária tem a ver com o desmatamento na Amazônia?

Pecuária é o motor do desmatamento. Mapbiomas estima que pelo menos 10% da floresta já tenha sido transformada em pasto

Angélica Queiroz

A pecuária é um dos pilares do agronegócio brasileiro, responsável por pelo menos 20% do nosso Produto Interno Bruto (PIB). O Brasil produz, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), mais de 15% de toda a carne de gado consumida no mundo, ficando atrás apenas dos americanos. A pecuária também é apontada como a principal causa da destruição na maior floresta tropical do planeta. 

Cerca de 80% das áreas desmatadas na Amazônia nas últimas décadas foram, inicialmente, destinadas a abrir espaço para o gado. De acordo com o Mapbiomas, aproximadamente 10% da área total da Amazônia – 52,9 milhões de hectares — já foi transformada em pasto. 

Análises das imagens de satélites da rede mostram ainda que a área de pastagens na região da floresta cresceu 200% nos últimos 36 anos. Nem as terras públicas escapam. As áreas de pasto ocupam 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas da Amazônia Legal, afirma o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) diz que o Brasil tem mais de 200 milhões de bovinos e mais de 40% desse rebanho está nos estados que compõem a Amazônia Legal — Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão. Não por acaso, o Pará é o terceiro maior produtor de carne bovina do país. Só na cidade de São Félix do Xingu são estimadas mais de 2,4 milhões de cabeças de gado. E não é só para criar pastagem que a pecuária desmata, uma vez que também é preciso plantar soja para alimentar os animais.

Por que o desmatamento é tão grave?
É uma bola de neve. Além da perda da biodiversidade, o desmatamento ameaça o clima de todo o mundo, pois libera o estoque de carbono armazenado em troncos e folhas das árvores, contribuindo não só para o avanço das mudanças climáticas, mas para a própria destruição da floresta. A derrubada de árvores na Amazônia também afeta os rios voadores e o regime de chuvas nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, que concentram parte importante da agricultura do país, o que acaba afetando a produção e o preço dos alimentos.

Isso sem falar que o desmatamento afasta as pessoas de suas terras, pois destrói os meios de subsistência dos pequenos agricultores e comunidades tradicionais e aumenta a precariedade do trabalho de quem fica. E ainda tem a grilagem. Apontada como uma das causas do desmatamento, a prática gera um ambiente de violência que afasta quem gostaria de produzir de acordo com a lei e respeitando nossos recursos naturais.

Como a situação chegou a esse nível?
Registros mostram que a pecuária é uma atividade que começou ainda na época do descobrimento do país, com bovinos trazidos pelos colonizadores portugueses e que encontraram, no nosso clima tropical, boas condições para reproduzir. De lá para cá, essa é uma atividade que foi atravessando gerações e sobre a qual nunca se teve muito controle. 

Por ser tão rentável, não exigir muita infraestrutura e pelo fato do Brasil ter um território enorme, a pecuária foi bastante incentivada pelos governos em uma época em que a questão ambiental não era uma preocupação. 

Na década de 1970, uma propaganda do governo federal que incentivava produtores a ocupar a Amazônia chegou a convocar: “Toque sua boiada para o maior pasto do mundo”. Os argumentos, na época, diziam que era preciso ocupar a área para evitar que estrangeiros o fizessem. No período da ditadura, o governo, inclusive, deu incentivos para a compra de terras públicas, o que acabou sendo um convite para a grilagem, que até hoje está entre os maiores problemas da região.

Só nos anos 2000 a preocupação com a ocupação da Amazônia ganhou a atenção dos governos que, desde então, têm feito algumas tentativas de regular a pecuária na região. A aprovação do Novo Código Florestal, em 2012, foi um marco nesse sentido, pois exige que o produtor preserve 80% de sua propriedade — o que significa que só pode destinar 20% para os pastos. No entanto, a falta de fiscalização e o desmonte dos órgãos ambientais ainda são desafios para fazer valer a lei.

Outro grande desafio para a regulação é a diversidade dos sistemas de produção da pecuária de corte. No interior do país, como é o caso da Amazônia, existem muitas fazendas dispersas e propriedades pequenas que ainda fazem o uso de práticas muito simples, com pouca ou nenhuma tecnologia. Ao mesmo tempo, existem grandes fazendas equipadas com o que há de mais moderno e tecnificado. Desse modo, fica difícil fazer a mesma cobrança para todas, especialmente para aqueles produtores com baixa qualificação.

Como resolver?
Todos deveríamos, então, parar de comer carne bovina? Não, mas os consumidores têm a responsabilidade de exigir que a proteína que comem não venha de áreas de desmatamento. Vários mercados internacionais, como Alemanha, França, Holanda e Reino Unido, já têm exigido que os locais de onde compram a carne, como os supermercados, comprovem que o produto que vendem não passe por áreas de desmatamento, em nenhuma das etapas de produção. 

Isso quer dizer que precisamos monitorar toda a cadeia produtiva, começando pela fazenda onde nasce o bezerro e seguindo por todo o caminho que essa carne faz até chegar à mesa das pessoas. Se o mercado tirar da cadeia de fornecedores o gado em áreas de desmatamento, isso praticamente acaba com a devastação da Amazônia e melhora a segurança institucional do setor da carne.

Créditos: depositphotos

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