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Quanto da carne produzida no Brasil vem da Amazônia?

Quase metade do gado brasileiro está na região. Entenda como a pecuária estimula o desmatamento e porque não precisa ser assim

BRUNA DE ALENCAR

O Brasil tem mais de 200 milhões de cabeças de gado. O dado é do o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que estima que esse número está em ascensão. Somos um dos mais importantes produtores e exportadores de carne bovina do mundo — só em 2020, o rebanho nacional cresceu 1,5% e chegamos a 218,2 milhões de cabeças, o maior número desde 2016. Um levantamento feito pela consultoria Safras & Mercado mostrou um crescimento de 30% nas exportações brasileiras de carne bovina, com projeções de aumentar ainda mais nos próximos meses.

Boa parte desse rebanho pasta nos estados que compõem a Amazônia Legal — Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão. A estimativa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) é a de que, pelo menos 93 milhões de bois sejam criados na região, mais de 40% de todo rebanho nacional. O Pará é o terceiro maior produtor de carne bovina do país, com mais de 22 milhões de bois estimados. Só a cidade de São Félix do Xingu tem mais de 2,4 milhões de cabeças de gado. 

O problema é que a pecuária tem relação direta com o desmatamento da maior floresta tropical do planeta, que não pára de crescer e preocupa todo o mundo. Dados do Imazon mostram que pastos para o gado cobrem cerca de 90% da área total desmatada, e mais de 90% do desmatamento total é ilegal. “Isso significa que a carne e subprodutos que saem da região podem estar relacionados ao desmatamento e são comercializados em todo o Brasil e também em outros países”, explica a pesquisadora do Imazon, Ritaumaria Pereira.

Como chegamos até aqui?

Registros mostram que a pecuária é uma atividade que começou com bovinos trazidos pelos colonizadores portugueses e que encontraram, no nosso clima tropical, boas condições para reproduzir. No entanto, até a década de 1970, quase não havia bois na floresta amazônica. Nessa época, o governo passou a incentivar a ocupação da região por fazendeiros de todo o país. Uma propaganda da época chegava a convocar: “Toque sua boiada para o maior pasto do mundo”.

No período da ditadura, o governo federal deu incentivos para a compra de terras públicas, o que acabou sendo um convite para a grilagem, que até hoje está entre os maiores problemas da região. Como consequência, o rebanho bovino na Amazônia Legal só aumentou. Uma descrição completa do cenário é mostrada no documentário “Sob a Pata do Boi”, dirigido por Marcio Isensee e Sá. O filme é de 2018, mas continua atual, uma ferramenta para entender como chegamos até aqui.

Apesar da crescente preocupação com a questão ambiental, a transformação da floresta em pasto continua, de certa forma, sendo incentivada pelo governo federal, que mantém financiamentos e linhas de crédito específicas para o setor, além de cortar verba dos órgãos que deveriam fiscalizar a atividade. Com uma demanda crescente pela proteína bovina, a Amazônia continua em risco. Segundo dados do Banco Central, só em 2020, fazendeiros conseguiram mais de R$9 bilhões em crédito rural para financiar a criação de gado.

Como desvincular as duas coisas?

Não precisamos parar de comer e exportar carne para lidar com a questão. O Brasil é capaz de produzir carne e, inclusive, aumentar a produção sem desmatar. Para isso, é preciso aumentar a produtividade da nossa pecuária, empregando técnicas e recursos financeiros já disponíveis, com coordenação política eficiente. O trabalho “Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento”, desenvolvido pelo Amazônia 2030, diz que é preciso repensar a atividade e que recuperar pastagens degradadas tem um custo total menor para os pecuaristas da região do que derrubar floresta para abrir pastos novos: R$270 milhões por ano, contra R$950 milhões do cenário em que há desmatamento.

Segundo projeções do Ministério da Agricultura e Pecuária, a demanda brasileira por carne bovina deve crescer entre 1,4% e 2,4% ao longo da próxima década. O estudo mostra que é possível atender a essa demanda sem desmatar, ou seja, que não é necessário derrubar mais nenhuma árvore para fazer pasto na Amazônia.

Além disso, é preciso rastrear a cadeia de produção, inclusive a indireta, para que o consumidor, cada vez mais preocupado com a questão, possa fazer escolhas conscientes e parar de comprar de supermercados e frigoríficos que vendem carne associada ao desmatamento. O Radar Verde foi criado para ser essa ferramenta e, com a ajuda de quem compra, estimular o mercado a exigir maior controle e transparência de seus fornecedores.

Foto: Ritamaura Pereira


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