Apesar de lenta evolução do setor, nenhuma das 146 empresas avaliadas pelo Radar Verde comprovou rastreabilidade completa dos animais que abate
Angélica Queiroz
A pecuária é essencial para a economia do Brasil, um dos maiores produtores de carne bovina do mundo. No entanto, a atividade enfrenta um grande problema de imagem: sua associação com o desmatamento, especialmente na Amazônia Legal, que concentra mais de 40% do rebanho nacional. O dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que também mostra que a destruição da floresta na região está diretamente relacionada à expansão de pastagens, que abrange cerca de 90% das áreas desmatadas. Os consumidores têm sua parcela de responsabilidade e devem exigir que as empresas comprovem que não estão ligadas ao problema. No entanto, ainda é impossível, mesmo para os mais conscientes, consumir carne 100% livre de desmatamento no Brasil. O motivo? Nenhum frigorífico brasileiro consegue comprovar a rastreabilidade completa das propriedades pelas quais passam os animais que abatem. Essa é a conclusão do mais novo relatório do Radar Verde, indicador independente do setor, divulgado agora em fevereiro.
A grande questão segue sendo o controle da cadeia indireta, o maior gargalo da pecuária brasileira. Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), uma das organizações que realiza anualmente a pesquisa, em parceria com o Instituto O Mundo Que Queremos, explica: “desde o nascimento até a engorda, um boi passa por várias fazendas. Se o frigorífico controlar apenas a fazenda de engorda, é muito provável que contribua para o desmatamento na Amazônia, onde o desmatamento tem sido mais concentrado nas fazendas de cria e recria – que são as fornecedoras indiretas dos frigoríficos. Sem o controle das fazendas indiretas, nenhuma empresa pode confirmar que está livre do desmatamento”.
Estamos melhorando, mas muito devagar. O Radar Verde, que desde 2022 divulga pesquisas que classificam os frigoríficos da Amazônia e os principais supermercados do país de acordo com o controle e transparência sobre sua cadeia da carne, mostrou nesta última edição da pesquisa alguns sinais de evolução do setor. Entre os 146 frigoríficos com plantas na Amazônia analisados, alguns se destacaram em relação ao controle dos fornecedores diretos. Seis empresas foram classificadas com grau de controle muito alto, 5 apresentaram grau de controle alto e outras 2 alcançaram grau de controle intermediário. Os frigoríficos Marfrig, Minerva e Rio Maria lideram o ranking, seguidos por Masterboi, Frigol, JBS, Mercúrio Alimentos, Fortefrigo, Mafrinorte, Valencio, Fribev, Frigorífico Altamira e Frigonorte.
Pela primeira vez, um frigorífico (Plena Alimentos) participou voluntariamente da pesquisa, enviando as respostas ao questionário — as demais empresas continuaram sendo avaliadas apenas através das informações públicas que disponibilizam nos seus sites. Em 2023, 38 empresas frigoríficas possuíam sites, mas muitas não ofereciam dados sobre o controle de gado para avaliação do Grau de Controle da Cadeia. Em 2024, esse número cresceu para 41, mas a quantidade de informações relevantes ainda permanece pouco expressiva. Além disso, 5 frigoríficos apresentaram uma discreta melhora em seus resultados em relação ao ano anterior: Plena Alimentos, Frigobom, Pantanal, Santa Cruz e Boa Carne. O nível de implementação das políticas, que corresponde às auditorias independentes, também aumentou. Em 2023, 11 empresas de carne tiveram resultados de auditoria independente para atestar parte de suas alegações sobre controle de fornecedores. Em 2024, esse número subiu para 13.
É importante destacar, no entanto, que esses avanços ainda são muito tímidos e lentos, especialmente porque precisamos parar o desmatamento para ontem frente ao avanço das mudanças climáticas em todo o mundo e a importância inegável da preservação da Amazônia para a regulação do clima do planeta.
Para além da questão do controle dos indiretos, que é complexa mas já conta com boas soluções em execução em diversos países, outro critério avaliado pelo indicador merece atenção. Trata-se do Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento, que mede a área com fatores de risco de desmatamento nas zonas potenciais de compra de gado das empresas. Cinco grandes empresas foram classificadas com alto grau, ou seja, em situação preocupante. Na ordem: JBS, Frigo Manaus, Frialto, Masterboi e Amazon Boi. A JBS é a empresa mais exposta ao risco, com cerca de 11,5 milhões de hectares — uma área maior do que o estado de Santa Catarina. Essa alta exposição, que é o dobro da segunda colocada, está diretamente relacionada à escala de operação da empresa na região: das 24 plantas frigoríficas que a JBS possui na Amazônia, 21 estão em atividade, enquanto a maioria das outras empresas do setor possui apenas uma unidade na região.
O que o Brasil pode fazer? Muita coisa. Para começar, investidores, bancos, compradores corporativos e importadores podem usar o Radar Verde como ferramenta estratégica para identificar riscos e priorizar ações para promover cadeias mais sustentáveis. Isso é fundamental para pressionar o setor a acelerar suas mudanças e, nesse sentido, o Radar Verde também é uma ferramenta importante, pois ajuda as próprias empresas a entender seu estágio atual e direcionar melhorias, garantindo maior segurança, qualidade e competitividade para a pecuária brasileira. Os organizadores do indicador já informaram que em 2025 farão uma nova pesquisa, com novidades. Vamos aguardar, esperando ver mais avanços.
Foto: depositphotos
Este artigo foi publicado originalmente em Coalizão Verde, união dos portais de notícias 1 Papo Reto, Neo Mondo e O Mundo que Queremos com o objetivo de maximizar os esforços na cobertura de temas ligados à agenda ESG