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Cadeia da carne também não é monitorada por bancos

Primeiro levantamento socioambiental do setor mostra que transparência é desafio e instituições podem estar financiando desmatamento ilegal

Angélica Queiroz, especial para o Radar Verde

Apenas 5% das empresas aceitaram participar da primeira edição do Radar Verde e nenhum frigorífico ou varejista convidado autorizou a divulgação de sua classificação final. O resultado, divulgado no final de 2022, evidencia  que as empresas do setor da pecuária ainda não conseguem comprovar que a carne que compram e vendem – e que chega até os consumidores – não está associada ao desmatamento da Amazônia em nenhuma etapa de produção. Mas o problema da falta de transparência não está apenas nas empresas: os bancos e demais instituições financeiras também precisam controlar melhor os financiamentos e investimentos no setor.

O primeiro Ranking da Atuação Socioambiental de Instituições Financeiras (RASA), lançado pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), mostra que ainda existem muitos furos  no que cada instituição faz, individualmente para garantir que não está colocando dinheiro  em empreendimentos em que há  desmatamento ilegal. Segundo a Diretora Executiva e Técnica da SIS e responsável pelo RASA, Luciane Moessa, após a fase de coleta de informações públicas, somente três entre os dez bancos avaliados no primeiro ciclo forneceram informações adicionais, sendo que a coleta apurou várias falhas no gerenciamento de riscos socioambientais em geral.

O RASA verificou em que grau os bancos comerciais, no Brasil, integram fatores socioambientais em suas operações de crédito e investimentos e constatou que, no que se refere aos riscos da cadeia de produção, os bancos  dificilmente chegam a prever essa obrigação de monitoramento em cláusula do contrato de crédito, por exemplo. “Essa seria uma forma simples de os bancos obrigarem as empresas tomadoras de crédito a relatarem que medidas elas adotam em sua cadeia de produção”, explica Luciane Moessa. Segundo a especialista, essa poderia ser uma ferramenta para monitorar os fornecedores indiretos e mesmo clientes (no caso das empresas que fornecem insumos agrícolas), um dos maiores desafios de transparência da cadeia da carne. “Mas, basicamente, os bancos não monitoram a cadeia, olham apenas para o tomador de crédito direto”, lamenta.

Crédito rural

Embora boa parte das instituições financeiras afirme em suas políticas que se preocupa com o desmatamento na hora de conceder o crédito rural – que financia as atividades de muitos fazendeiros brasileiros -, na prática, isso não acontece com a seriedade  que deveria. O RASA evidenciou que a maioria consulta apenas as bases de dados federais, mas fiscalizar o desmatamento em imóveis rurais é obrigação sobretudo dos órgãos ambientais estaduais –  o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) atuam apenas dando um apoio nos Estados da Amazônia Legal, ou nos imóveis de propriedade da União. 

“Fiscalizar desmatamento em imóveis rurais é competência, sobretudo, dos órgãos ambientais estaduais e eles deveriam ser rotineiramente consultados, mesmo que as informações não estejam disponíveis online, caso em que cabe ao potencial tomador de crédito obter a documentação necessária junto ao órgão do seu Estado para apresentar ao banco”, explica Luciane Moessa. “Existe uma falha grave até na própria regulação do Banco Central, que só faz referência a consulta a embargos do IBAMA e é isso que a maioria dos bancos segue ao pé da letra”, completa. De acordo com Luciane, alguns poucos bancos chegam a consultar os embargos quando os Estados disponibilizam online, mas esses Estados são exceção . “Pará e Mato Grosso costumam fazer isso, mas a maioria não disponibiliza nada”.

A especialista ressalta que, muito mais simples, efetivo e preciso do que consultar áreas embargadas, seria  os bancos consultarem os dados do PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), sobre desmatamento, que estão sempre atualizados, disponíveis online e são gratuitos. “Os bancos possuem a localização do imóvel no crédito rural e, com base nela, podem verificar se houve desmatamento. Além disso, é possível verificar a data em que ele ocorreu e, sendo recente, solicitar que o cliente apresente a autorização para supressão de vegetação. Se ele não tiver, o desmatamento é ilegal, ou seja, não é necessário esperar a área ser embargada para concluir isso. Todo desmatamento que não conte com autorização do órgão ambiental competente se enquadra nessa categoria”, explica. “Como a grande maioria dos bancos não faz isso, a conclusão óbvia é que muito provavelmente   devem estar financiando atividades em áreas com desmatamento ilegal”. Se olharmos para toda a cadeia, incluindo financiadores indiretos, o problema é ainda mais grave. “Se as instituições não fazem nem o básico do básico, que é olhar para o fazendeiro, imagina quando se trata de exigir que as empresas que operam com produtores rurais façam isso para toda a cadeia”.

Luciane ressalta que, quando falamos das maiores empresas do setor pecuário, o crédito não é a principal fonte de financiamento, mas sim o mercado de capitais, pois trata-se de empresas que captam recursos em bolsas de valores dentro e fora do país. Ou seja, é preciso também olhar para os investidores e cobrar deles. Segundo Luciane Moessa, os investidores europeus e americanos já são mais cuidadosos que os brasileiros e quem depende de capital deles já deve estar sendo mais cobrado. 

Desde 2019, a iniciativa Investidores Pelo Clima trabalha para engajar e capacitar investidores profissionais locais para que avancem na agenda da descarbonização de portfólios, mas o desafio, segundo Luciane Moessa, ainda é enorme. Ela acredita, no entanto, que as normas publicadas em 2021 pelo Banco Central com relação ao tema vão ajudar a melhorar a transparência socioambiental no mercado bancário, embora ainda sejam insuficientes. Nesse sentido, a SIS também vai lançar, ainda esse mês, recomendações para o aprimoramento da regulação bancária, algumas delas específicas para o crédito rural. Já no início do próximo semestre, a SIS vai publicar recomendações para a regulação de investidores institucionais.

foto: depositphotos

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