Pesquisar
Close this search box.

notícias

DSCN0159

De onde vem a carne? E por que isso é importante?

Ferramentas que já existem podem ajudar a deixar clara a origem da carne. Mudança depende de maior rigor de quem compra e financia, diz especialista

Angélica Queiroz

A carne que é vendida no açougue ou supermercado do seu bairro provavelmente vem de centenas ou milhares de quilômetros. A cadeia inclui o frigorífico e as fazendas. No pacote da carne, está a informação do frigorífico. Mas a maioria dos frigoríficos não informa a fazenda de origem. O problema disso é que, em muitas fazendas há desmatamento ilegal. As dificuldades para rastrear os bois que vão para o abate, incluindo as cadeias indiretas, estão sempre na boca de quem vende para justificar porque a origem da carne bovina brasileira ainda não é clara para o consumidor. Acontece que, já existe tecnologia para isso, incluindo exemplos de iniciativas que já existem e funcionam aqui.

O grupo Carrefour, uma das maiores redes varejistas do país, lançou, recentemente, o Protocolo de Produção Sustentável de Bezerros, um sistema de rastreamento do bezerro até a prateleira, que tem abrangência nacional e poderá ser aplicado em fazendas de cria em todos os biomas brasileiros. O protocolo foi testado e, como resultado dessa iniciativa, o grupo comercializou, em julho de 2021, seu primeiro lote de carne 100% livre de desmatamento em uma loja em São Paulo. E, o melhor: sem que o consumidor tivesse que pagar mais caro por isso.

Outro modelo de rastreamento, também já em operação no país desde 2006, é Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos – SISBOV. Por meio de um brinco auricular, bottom, dispositivo eletrônico ou tatuagem, o sistema consegue um completo histórico de por onde cada animal passou ao longo da vida. Criada inicialmente para o controle de doenças, a ferramenta também pode funcionar para rastrear o desmatamento e a legalidade das fazendas. No entanto, a adesão ao sistema é voluntária e, atualmente, praticamente só é feita por aqueles produtores que vendem para mercados mais exigentes, como o da União Europeia.

A própria Guia de Trânsito Animal (GTA), documento oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o transporte de animais no Brasil é outro exemplo de ferramenta que poderia ser utilizada para rastrear a origem da carne. No entanto, ela precisaria ser mais fiscalizada, transparente e divulgada pelos governos, pois, atualmente, ainda não consegue garantir que os animais não passaram por áreas ilegais ou onde há desmatamento.

O lobby do agronegócio é apontado como um dos principais motivos pelo qual, nem o SISBOV, nem outro sistema de rastreamento, funciona amplamente no Brasil até hoje. Segundo o pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Paulo Barreto, que é especialista em pecuária, historicamente, os fazendeiros fazem pressão para que não sejam aprovadas leis que os obriguem a ser transparentes. “Eles não vão fazer isso voluntariamente, mudanças desse tipo só acontecem quando há alguma demanda externa aos pecuaristas, dos frigoríficos e supermercados, por exemplo – de quem compra  gado ou a carne”, afirma. Algumas empresas brasileiras já avisam que devem deixar de comprar de produtores que não são transparentes, mas só em 2025. 

Paulo Barreto cita o exemplo da vacinação contra a febre aftosa para ilustrar como os produtores conseguem se adaptar, se são devidamente cobrados para isso. Segundo ele, quando a comunidade internacional começou a proibir as exportações de gado não vacinado, impulsionado pelo Mal da Vaca Louca, o governo criou, numa parceria público-privada, o Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa. “Aí, saímos de 8% para, basicamente, todo o gado nacional vacinado”, conta o pesquisador. “Naquela época, o Brasil exportava cerca de 5% da carne e hoje exporta entre 20 e 25%. E, com isso, ganhou milhões de dólares por ano”, explicou. “É que nem com a Covid-19. Se alguém não vacina o gado, pode criar problemas para todo mundo. Por isso é obrigatório”.

Para Paulo Barreto, se os mercados interno e externo fossem mais exigentes, os fazendeiros poderiam se adaptar. Um elemento importante nessa conta é que os grandes varejistas do Brasil são multinacionais, o que pode acelerar esse processo por aqui. A varejista alemã Aldi, já anunciou boicote à carne do Brasil como resposta à destruição da floresta. Outro grupo europeu está sendo processado internacionalmente por ter comprado carne associada ao desmatamento no Brasil, já que a lei francesa exige que suas empresas monitorem esse tipo de conexão.

As instituições financeiras também podem ajudar a acelerar esse processo e evitar que mais árvores continuem sendo derrubadas na Amazônia para fazer pasto fazendo pressão e cobrando isso das empresas que financiam. Recentemente, por exemplo, o Bid Invest, um braço do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), negou um empréstimo de US$200 milhões à Marfrig porque as duas empresas não conseguiram chegar a um consenso ambiental relacionado às políticas de sustentabilidade do banco. Todos esses exemplos indicam que estamos caminhando, mas poderíamos ir mais rápido, afinal, a tecnologia já está disponível.

E o TAC da carne?

Controlar os frigoríficos é mais fácil do que controlar, individualmente, cada fazenda. Em 2009, uma tentativa de  rastreamento por essa parte da cadeia no Brasil ganhou os noticiários, quando o  Ministério Público Federal (MPF) do Pará fez assinou Termos de Ajustamento de Conduta – TAC com metade dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal, que respondiam por 70% da capacidade de abate. Nos compromissos públicos, que ficaram conhecidos com “TACs da Carne”, essas empresas se comprometeram a monitorar o desmatamento nas fazendas das quais compram. Os TACs trouxeram alguns avanços, embora ainda insuficientes. 

Em 2017, o Imazon fez um estudo para ver como os acordos avançavam e, na época, concluiu que muito  ainda precisava ser feito para que o setor de frigoríficos conseguisse contribuir efetivamente para ajudar a zerar o desmatamento na Amazônia. Segundo Barreto, ao longo do tempo e, devido a fatores como a rotatividade de procuradores e também a falta de auditorias adequadas, esse é um mecanismo que foi sendo enfraquecido ao longo dos anos. Para ele, os TACs poderiam ser efetivos se os procuradores adotassem as mesmas auditorias independentes e aplicassem as penas contra quem não cumpre as promessas.

Foto: Ritamaura Pereira

Pesquisar