Ferramenta Radar Verde, que avalia a efetividade das políticas de controle ambiental de frigoríficos e varejistas no país, dá início a novo ciclo de análise
CRISTIANE PRIZIBISCZKI, no ((o)) eco
Frigoríficos instalados na Amazônia e varejistas de todo país são convidados, mais uma vez, a mostrar à sociedade se a carne que comercializam não está ligada ao desmatamento na Amazônia. Nesta quarta-feira (28), o Radar Verde dá início ao seu segundo ciclo de análises. No primeiro ciclo, gigantes da carne negaram a abertura de dados.
O Radar Verde é uma ferramenta que busca mostrar se as políticas adotadas pelos diferentes atores da cadeia de produção da proteína animal no país garantem que seus produtos não estejam ligados ao desmatamento na floresta tropical. A ferramenta foi desenvolvida pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e sua aplicação contou com a parceria do Instituto O Mundo Que Queremos (OMQQ).
“Criamos o Radar verde para ajudar a limpar as irregularidades da cadeia da carne. Ele é o indicador independente que avalia os frigoríficos e supermercados e que visa, em última instância, comunicar o quanto eles conseguem controlar suas cadeias e dar transparência para isso”, explicou Alexandre Mansur, diretor de projetos de O Mundo Que Queremos, durante lançamento da iniciativa.
Diferente das ferramentas de rastreabilidade hoje utilizadas pela cadeia, o Radar Verde coloca sob os holofotes os fornecedores indiretos, que ainda são o calcanhar de aquiles do setor.
Ponto cego
Pela maneira como a cadeia de produção de carne está estruturada no país, faltam informações públicas para garantir que o bife consumido internamente e também exportado não esteja associado a desmatamento durante sua produção.
O Brasil é o segundo maior produtor e o maior exportador de carne bovina do mundo. O país produz cerca de 15% de toda a carne bovina consumida globalmente.
De todo o gado necessário para esta produção, 46% pisa sobre solo amazônico, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Somente nas últimas três décadas, o rebanho bovino no bioma cresceu 272% – no resto do Brasil, o crescimento foi de 6% – chegando, atualmente, a cerca de 96 milhões de cabeças de gado.
Cerca de 90% das áreas abertas na floresta tropical foram convertidas em pasto para o gado e, segundo estudo do Imazon e do Projeto Amazônia 2030, mais de 90% da destruição aconteceu de forma ilegal.
Isto é, a pecuária é considerada como sendo o maior vetor de desmatamento na Amazônia. Em todo bioma, existem 175 plantas frigoríficas instaladas, sendo 145 delas, ativas.
Até que o gado chegue para o abate nesses frigoríficos, ele passa por diferentes fazendas, desde seu nascimento. O problema é que existem pontos cegos nesse caminho.
As ferramentas usadas hoje para o controle da cadeia consideram somente os fornecedores diretos – aqueles que entregam o boi em idade de abate para o frigorífico. Os indiretos – fazendas de cria e engorda do gado – ficam fora da equação.
Além da falta de transparência, a pecuária na Amazônia tem como características o baixo grau de produtividade – menos de um boi por hectare – e a alta taxa de degradação.
De toda área desmatada na Amazônia ocupada com pasto, 59% está com algum grau de degradação, indo de intermediário a severo.
“Isso significa que a gente pode fazer investimentos nesses pastos com algum tipo de degradação para melhorar sua qualidade, aumentar sua produtividade e aumentar a quantidade de animais por hectare sem a necessidade de nenhum novo desmatamento, e até liberando essas áreas que já são desmatadas para produção de outras atividades”, defende Ritaumaria Pereira, diretora-executiva do Imazon.
Sem transparência
A ferramenta Radar Verde, a única independente do país, busca alcançar toda a cadeia produtiva da carne, incluindo os indiretos.
Em meados de 2022, 90 empresas da indústria da carne no Brasil e 69 varejistas foram convidados a participar do primeiro ciclo do estudo, mas apenas 5% delas aceitaram participar do trabalho, todas grandes empresas do setor. Nenhuma autorizou a divulgação de sua classificação final. Os resultados saíram em dezembro de 2022.
Para 2023, o Radar Verde traz mudanças na metodologia. Além da aplicação de questionário que avalia o “Grau de controle da cadeia da carne”, neste novo ciclo também serão avaliados o “Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento” e o “Grau de Transparência Pública” dos diferentes elos da cadeia.
Diferente do grau de controle da cadeia, que depende das respostas das empresas, os outros dois itens serão avaliados independentemente do retorno delas.
Isto é, mesmo que as empresas não aceitem participar ou não queiram publicidade de seus resultados, elas serão avaliadas e classificadas de acordo com os dados públicos disponíveis.
O “Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento” é uma metodologia desenvolvida pelo Imazon que cruza diversas informações, como distância das fazendas em relação ao fornecedor e o local onde o gado é adquirido, e diz o quanto ele está exposto à ilegalidade.
Já o “Grau de Transparência Pública” vai considerar se as informações disponibilizadas no site das empresas varejistas apresentam uma política de controle do desmatamento na cadeia da carne e qual a eficácia dessa política, identificada por meio de auditorias independentes.
Frigoríficos serão avaliados nos três critérios: “Grau de Controle da Cadeia” – como avaliado em 2022 – e os novos “Grau de Transparência Pública” e “Grau de Exposição aos Riscos de Desmatamento”.
Já os varejistas serão avaliados nos critérios “Grau de Controle da Cadeia” e “Grau de Transparência Pública”.
Para este ciclo, 133 empresas frigoríficas localizadas na Amazônia Legal e 69 varejistas do país foram convidados a participar. Os resultados devem ser divulgados em novembro.
Esta reportagem foi, originalmente, publicada no ((o))eco, em 28 de junho de 2023.
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