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Pecuarista do Pará produz seis vezes mais carne preservando 80% da fazenda

Investindo em pecuária intensiva há mais de 20 anos, Mauro Lúcio lidera um movimento para incentivar outros fazendeiros da região a adotarem práticas mais sustentáveis

Angélica Queiroz, especial para o Radar Verde

A carne que você compra no açougue ou no supermercado provavelmente veio de um frigorífico, mas antes disso ela passou por fazendas, quase sempre no plural. Monitorar se essas propriedades estão desmatando a Amazônia é um dos principais desafios para a transparência da cadeia da carne no Brasil. Mas um pecuarista no Pará tem dado bons exemplos de que é possível aumentar a produtividade e preservar a Amazônia ao mesmo tempo.

Mauro Lúcio Costa é dono da Fazenda Marupiara, em Paragominas (PA), há 26 anos. Em 2022, a produtividade de seu rebanho foi de 969 quilos por hectare, uma das maiores da região e mais de seis vezes a média brasileira, que gira em torno de 150 quilos por hectare. Estamos falando de uma fazenda de 4.356 hectares, com 80% de área preservada. Como isso é possível? Com investimento em tecnologia e capacitação do pessoal, além da adoção de práticas adequadas de manejo e bem-estar animal. E não é de hoje: ele começou há mais de 20 anos, muito antes de a sustentabilidade ser um assunto da moda.

O pecuarista conta que costuma caminhar pela propriedade, uma atividade que ele chama de contemplação. E foi durante uma dessas observações que ele pensou que, além de recuperar algumas pastagens degradadas, gostaria de reflorestar outras áreas, para ter o máximo possível de floresta amazônica preservada. “Na época, algumas pessoas achavam que eu estava maluco, mas eu fui provando que podia dar certo. Aos poucos, estou conseguindo desmistificar algumas crenças limitantes e disseminar boas práticas”, relata.

Com a consultoria de alguns pesquisadores e também sua própria experiência, Mauro Lúcio trocou a pecuária extensiva e pouco produtiva, que a maioria dos pecuaristas pratica na região, por um modelo intensivo, que utiliza a tecnologia como aliada para produzir mais na mesma área (ou até em uma área menor). Hoje, a fazenda Marupiara usa uma área de 340 hectares para a pecuária — o restante da área produtiva é dividida em plantações de milho e soja. A média de cabeças por hectare é 4,76, bem maior que as outras propriedades da região, onde é de menos de uma cabeça por hectare.

Mauro Lucio lidera um movimento para conscientizar outros produtores da região

O pecuarista não gosta de comparar a sua produção com a de anos anteriores porque, segundo ele, “as coisas eram diferentes e a tecnologia evoluiu muito”. Mas, apenas para termos uma ideia do quanto ele está produzindo mais, ele conta que, em 2002, a fazenda produzia cerca de 170 quilos de carne por hectare, quase seis vezes menos que a quantidade vendida hoje. Os números ajudam a provar o ponto do fazendeiro: “a saída para a pecuária hoje é aumentar eficiência e diminuir tamanho, ganhando em escala”. 

Quando perguntado sobre os investimentos necessários para fazer essa transição, Mauro Lúcio garante que compensa. “Fazendo as contas, é possível multiplicar em mais de dez vezes a margem de lucro”, afirma. Ele ressalta, inclusive, que mudar o antigo jeito de fazer pecuária é uma forma de os pequenos proprietários se tornarem mais competitivos. “Eles podem produzir mais, já que o tamanho da área não será mais tão definidor como ainda é hoje. Mas, para isso, precisam sair da zona de conforto”.

Cadeia indireta ainda é desafio

Quando cobradas, as empresas alegam dificuldades de rastrear a trajetória dos animais, já que um boi pode passar por até dez fazendas durante as fases de cria, recria e engorda. É o que chamamos de cadeia indireta ou parte invisível da cadeia, cuja rastreabilidade ainda é um desafio, mesmo para quem já está consciente sobre a importância do assunto.

A Fazenda Marupiara é focada em engorda, ou seja, compra bezerros de outras propriedades e vende para o abate no frigorífico. Mauro Lúcio está preocupado com isso e diz que a rastreabilidade é uma ferramenta de gestão indispensável. Ele garante que se preocupa se as pessoas de quem ele compra não estão praticando desmatamento ilegal. Nem sempre isso é possível, mas, segundo ele, em 2022, 60% dos bois que foram para a fazenda vieram dos próprios criadores, justamente pela possibilidade de verificar essa origem.

Pecuária Sob Princípios

“As teorias são muito boas, mas a segurança que eu tenho para falar hoje vem da prática e da constância”, destaca o fazendeiro. Ele acredita tanto, que quer influenciar outros a fazer o mesmo e criou até um movimento, que batizou de Pecuária Sob Princípios. Ele acredita que hoje só existem tantas regras porque as pessoas quebram os princípios. “A regra não levanta a régua. O que eu faço é por princípio”, comenta. 

O costume de caminhar pela propriedade, que o levou a repensar as práticas no passado, continua. Mauro Lúcio conta que sua fazenda é dividida em módulos e  ele avalia, rotineiramente, a produtividade de cada um, para usar como referência para os demais. “É preciso monitorar, descobrir erros e acertos, se comparar consigo mesmo. O meu desafio a cada ano é melhorar a produtividade daquilo que tenho”, explica. “Quando meu pai veio para o Pará, ele dizia que aqui tinha três Cs importantes para a pecuária – calor, chuva e crédito. Eu acho que faltaram dois Cs, que é no que invisto hoje – conhecimento e capacitação”, completa.

Fazenda Marupiara é dividida em módulos, que permitem melhor avaliação de produtividade

Fotos: arquivo pessoal

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