Escândalos recentes em cadeias produtivas do ouro e da uva mostram que é preciso olhar todas etapas de produção
Por Alexandre Mansur*
Os recentes escândalos envolvendo as cadeias produtivas de joias e da uva revelam a importância de se conhecer todas as etapas consecutivas em uma cadeia de produção. Dar visibilidade às fases do processo é a oportunidade de empresas com boas práticas receberem mais investimentos e do consumidor fazer boas escolhas no momento da compra. Para isso, uma palavra é a chave: transparência.
No caso da cadeia produtiva da pecuária, a transparência tem a ver com a necessidade de saber a origem da carne. É preciso monitorar todas as etapas, desde a fazenda em que nasce o bezerro até a carne chegar em nosso prato. Do nascimento ao processamento, o boi passa por pelo menos 10 fazendas que podem estar contribuindo ou não com o desmatamento da Amazônia. Hoje o consumidor não sabe como cada empresa monitora essas etapas.
E precisa saber. O Brasil é o segundo maior produtor mundial e o maior exportador de carne bovina. São mais de 200 milhões de cabeças de gado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por aqui produzimos cerca de 15% de toda a carne bovina consumida globalmente e o mercado está em ascensão. Estudos apontam que a pecuária pode ser um dos principais fatores para o desmatamento na Amazônia, pois a região concentra mais de 40% de todo o rebanho nacional. Ou seja, pelo menos 93 milhões de bois estão nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão. Não podemos nos dar ao luxo de deixar um setor tão importante, com um potencial de impacto tão grande, ficar sem transparência.
O consumidor de carne tem direito de saber. E mais que isso. Quem compra carne e escolhe qual marca vai levar ou onde vai comprar tem poder para pressionar as empresas a serem mais transparentes. É por isso que você pode usar a lista de compras do seu churrasco para ajudar a frear o desmatamento da Amazônia.
O Brasil pode produzir mais carne sem desmatar. Para isso, o primeiro passo na Amazônia é começar a recuperar as pastagens degradadas (com um custo menor para os produtores da região do que derrubar floresta para abrir novos pastos) e rastrear a cadeia, inclusive a indireta, para garantir a origem da carne. Inclusive, uma gestão melhor da área desmatada na Amazônia abriria uma série de espaços para a captação de novos investimentos e geraria aumento da produtividade pecuária, que atualmente é 80 kg por hectare, mas com o conhecimento disponível pode chegar a 300 kg/hectare.
Ter o rastreamento completo da cadeia é tecnicamente viável. Países com grau de desenvolvimento equivalente ao nosso, como Botsuana, Uruguai e Argentina, já fazem o rastreio completo dos seus rebanhos.
Atualmente, o Brasil conta com uma ferramenta capaz de ajudar quem compra e investe a exigir mais controle e transparência dos fornecedores da cadeia da carne. O Radar Verde é o primeiro indicador de acesso público que visa mostrar quais os frigoríficos e supermercados (dois elos-chave que ligam o consumidor às fazendas pecuárias) apresentam essas boas práticas. Em 2022, o Radar Verde convidou 90 frigoríficos e 69 redes varejistas a comprovar que suas políticas garantem que a carne que compram e vendem não está associada ao desmatamento na Amazônia. Apenas 5% das empresas aceitaram participar, mas nenhuma autorizou a divulgação de sua classificação final.
Buscando ampliar o debate sobre o grau de transparência da cadeia do boi, o Radar Verde participará da ExpoMeat – Feira Internacional para a Indústria de Processamento de Proteína Animal e Vegetal. Por meio de exposição e palestras, os pesquisadores que desenvolveram o indicador apresentarão os caminhos para uma pecuária produtiva e sustentável na Amazônia. A feira será realizada entre os dias 28 e 30 de março, no Distrito Anhembi, em São Paulo.
Na oportunidade, os pesquisadores abordarão sobre a nova edição do Radar Verde, que será realizada em 2023 e para a qual todas as empresas serão convidadas a participar novamente. É importante criar um círculo virtuoso, em que os supermercados tenham políticas de compra responsável e exijam que os frigoríficos não vendam carne que veio de fazendas com desmatamento ilegal. Já os frigoríficos devem pedir aos seus fornecedores diretos e indiretos garantias de que a carne não tenha passado por áreas desmatadas na Amazônia Legal. Por isso, é essencial que elas compreendam que, mesmo que ainda não tenham controle total de seus fornecedores, é preciso avaliar o grau desse esforço.
*Alexandre Mansur é diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos
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